segunda-feira, 27 de abril de 2009

Revolta e medo


P____ !
Indignada,
nada censurável
que xingue,
inclusive em versos!
Cidade maravilhosa
- heresia.
Aqui não há poesia,
senão com revolta e medo.
Do dedo,
levaram-me, hoje, uma aliança.
Levaram-me mais que isso.
Sobretudo a esperança
de que a tudo me manteria alheia,
como quem ao mar revolto apenas assiste da areia
(praia em que não há salva-vidas).
Cidade de m____
- que me perdoem os poetas.
É que, nesta noite,
recuso-me, renitente, à hipocrisia.
Sobre estas linhas há lágrimas
- e que sorte a minha!
Bem poderia haver sangue...


Escrito em 2004, na noite em que fui vítima de roubo em Botafogo.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Versos perdidos

Aos poetas o computador literalmente engana.
Não há, ao final, evidências
do quão trabalhoso foi, afinal, seu trabalho.
Não há linhas riscadas,
palavras suprimidas
ou folhas de papel desprezadas.
Há somente versos perdidos,
como se jamais tivessem existido,
como se escrever fosse tão só intuitivo,
como se o poema na mente já fosse vivo,
como se poeta tivesse mãos assim tão abençoadas...


2º lugar no 4º Concurso Regional de Poesia da FACECAP
Faculdade Cenecista de Capivari/SP - 2004
Imagem: rascunho de Fernando Pessoa
http://www.biografia.wiki.br/fernando-pessoa-poeta.html

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Sell


era dela
o melhor cafuné
as unhas compridas
em meus cabelos compridos
percorridos
pelo vermelho do esmalte

era dela
o mais lindo pé
pequeno e macio
tão macio e pequeno
calçado
em calçado de dama antiga

eram dela
o braço esquerdo que eu segurava
os trejeitos que imitava
a casa da visita mais rotineira
a companhia pra Mozart
o beliscão de brincadeira
eram dela
a árvore da natal mais alta
o presente de natal surpresa
o salpicão da ceia à mesa
a oração feita à meia-noite
a meninice a disfarçar a idade
os meus sonhos
eram dela
- arandelas de saudade

domingo, 19 de abril de 2009

Profissão de fé



Eu não lhe peço
para crer em Deus.
Eu peço a Deus
para que Nele creia.
Pois a fé,
antes de mar,
já é areia.
Pó de que se nasce,
cinza em que se converte.

Eu não insisto
para que reze.
O requisito da oração
é que o sujeito da ação
a preze.
Não há quem compelido
acerte.
Rezar é verbo despido.
E quem reza obrigado o veste.

Eu não prego,
nem parafuso.
A fé, no ego,
é autocolante.
Só me recuso
a ficar silente
se O sinto presente
a todo instante.




quinta-feira, 16 de abril de 2009

Perdido em mim



Você vem
e sem pressa
me abraça.
Nessa demora,
meu corpo no seu
se enlaça.
Suas mãos,
na hora,
dizem pra ser assim.
Então logo
me ajeito em seu colo,
pra sentir,
num beijo,
você junto a mim.
E, nesse arrepio
que não é de frio,
eu balbucio,
ao seu ouvido,
que sim:
seu corpo
no meu perdido,
como se nele
tivesse fim.


Selecionado no 3º Concurso Guemanisse de Contos e Poesias, realizado em 2006.
Integra a obra Convergentes, publicada pela Editora Guemanisse em 2007.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Um cadim



Eu sou quase nada,
mas um pouco de tudo
que cabe em mim.
Sou minha alma
e sua morada.
Minha vida passada
e o que me guarda o fim.

Eu sou minha dúvida
e sua única resposta.
O que escondo aqui dentro
e o que deixo à mostra.
Eu sou pensamento
- quando falo
ou me calo.
Simplesmente o eco
dos meus nãos e sins.

E ainda sou você
quando você me toca...
Porque toda entrega
é troca,
todo encontro
é interseção velada.

E sigo assim
pra lhe ter em mim:
sendo só um cadim
ou quase nada.


domingo, 12 de abril de 2009

Renda-se!



Antes de me reputar tão insana,
procure render-se, uma só vez,
ao universo, sobre o qual se engana
aquele que nele busca porquês

para não crer no que está tão oculto
e, a um só tempo, tão revelado.
O mundo, em meio a esse tumulto,
pede ao homem que o sinta, calado.

Assim as vozes dos anjos nos vêm.
Enfim capazes de crermos além
do que nos dizem os olhos ser lenda.

E a tudo vendo como energia,
ódio é feitiço; paixão, magia.
Encontre-se nisso... então se renda!

Menção honrosa no VIII Concurso Nacional de Poesias Menotti Del Picchia.

sábado, 11 de abril de 2009

Sarau



Vem!
Senta
e te serve
Chandon!
Aí pela sala,
Clarice,
Quintana
e Drummond.
_ Há momentos na vida
em que sentimos tanto...

Clarice à porta.
_ Recordo ainda...
e nada mais me importa...

Quintana lhe estende a mão.
_ As coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
E Drummond ergue a taça
solenemente.

Vinicius vê graça
na menina que chega.
_ Eu te peço perdão
(ao violão)
por te amar de repente.
_ E aqui estou,
cantando.

Cecília o acompanha.
_ Olho d’água, bebida.
A vida é líquida.
Hilda aprecia o champanha.
_ Que seja intensa,
verdadeira e pura...
enquanto durar.

Diz Coralina
assim que finda
de decorar
doces de lira.

Mentira?
Então brinda
e prova esse doce
- como se não fosse!


Clarice Lispector – Momentos na vida
Mário Quintana – Recordo ainda
Carlos Drummond de Andrade – Memória
Vinicius de Moraes - Ternura
Cecília Meirelles – Discurso
Hilda Hilst – Alcoólicas I
Cora Coralina – Não sei