domingo, 18 de dezembro de 2011

Tratado de fim de ano



as ruas estão cheias
as vitrines, decoradas
as calçadas, derrapantes
as noites, mal dormidas

dezembro se repete
exatamente como antes:
todo ano, a mesma angústia
entre luzes coloridas

de onde, esse nó na garganta:
é dezembro que o agiganta
ou ele vem das despedidas?

de onde, esse aperto no peito:
ele viria de qualquer jeito
como selo de horas perdidas?

e as pessoas se cumprimentam
como se fossem todas queridas...
para que abraços forjados
quando as testas estão franzidas?

dezembro se repete
exatamente em pormenores:
a ceia pelos lares
a tristeza aos arredores

entre estrelas e guirlandas
e velas e altares
e piscas nas varandas

muitos se afligem em sigilo:
como de si fazer festa
se o que se quer é asilo?



Ilustração de Fabrícia Batista.

domingo, 27 de novembro de 2011

A Voz



a vida pede passagem
enquanto eu peço carona

a alma é livre em viagem
o corpo é que me aprisiona

viver exige coragem
disponho do que não sou dona

o sonho é breve paragem
de tão leve o corpo ressona

a alma me leva consigo
a um tempo futuro ou antigo

e assim me revela a vantagem:
só mergulho se venho à tona


domingo, 13 de novembro de 2011

Retrato falado



sim, eu gostaria de voltar
ao começo

pra repetir cada tropeço
que me trouxe até aqui

que graça teria a vida
sem as lágrimas que perdi?

de tão valiosa,
a sombra é brilhante

só depois se percebe
o que não se vê durante

domingo, 23 de outubro de 2011

O Grande Mandamento



diga:

quando foi
sua última prece,

consolo a quem adoece,
pedaço de bolo ao faminto,
abraço verdadeiro por instinto

- amar ao próximo como a si mesmo -

é tão mais difícil do que parece
ninguém se ama por inteiro
e se dá o quanto merece

amor é de dentro
e floresce:

doe-se

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Meninice



era tempo de criança
de cantiga e roda dança
de canjica e mariola
de bola no pé de moleque

beijinho de salada mista
no chão pista de gude
pião e banho de açude
passeio de trem aos domingos

boneca de pano e casinha
o jogo de amarelinha
o vento a subir a pipa
o sopro a girar cata-vento

tantos anos se passaram
e passado nem parece
meninice é travessura
de quem se desobedece


Para Fê Oliveira.
Escrito a partir de roteiro.

sábado, 8 de outubro de 2011

Nota da Confeiteira



O Doce de Lira completará 2 anos e meio no dia 11 de outubro,
com cerca de 670 seguidores e mais de 31.000 acessos.

Para comemorarmos a data, a Confeitaria terá nova vitrine!
A marca é da talentosa Fabrícia Batista.

Muito obrigada a todos os leitores!

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Riso


riso
não foi feito
pra caber em bolsa
pra se levar em bolso
pra se guardar em gaveta

de riso
que vem do peito
não se lava louça
não se tem reembolso
não se pede gorjeta

riso
há de ser solto
talvez revolto
quase careta

riso
é um som mudo
boca de veludo
de outro planeta



Para Betita, minha irmã,
que me inspirou no Facebook
com a música Can't help but smiling,
de Devendra Banhart.

sábado, 27 de agosto de 2011

Entraves



a menos que se distraia
com as janelas,
chegará à porta certa

é que as chaves
de todas elas
estão à barra de sua saia

- mas você espera
encontrá-la aberta



Escrito após a peça teatral Uma história oficial.
Parabéns pelo belo espetáculo!

sábado, 20 de agosto de 2011

Pétala



se ela fosse

rainha:
rosa

princesa:
tulipa

fidalga:
lírio

plebeia:
jasmim

: formosa
em qualquer jardim

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Amar, verbo de ligação



todo tempo é pouco
todo tempo é curto

cada minuto contigo é louco
cada minuto sem ti é furto

quem fui eu antes de tua vinda?
a mulher que te sonhou um dia

quem é essa a que chamas de linda?
a mulher só que te quer companhia

se o amor existe há de ser isso
se o amor é real parece inventado

nada maior que esse compromisso
nada melhor que te ter namorado



Para Mário.
(e que Mário, o de Andrade, não me escute)

domingo, 31 de julho de 2011

Quadratura



aquela que crê
aquele que vê
aquela que voa
aquele que pisa

- lagoa e brisa -

o menino dos olhos
a menina das asas
o menino baliza
a menina lama

- chão e chama -

a mulher borboleta
o homem soleira
a mulher labareda
o homem aquarela

- alameda e capela -

ele a postos
ela rendida
ele sereno
ela à altura

- terreno e quadratura -

[e num simples aceno
fez-se a Luz]



Àqueles que comigo presenciaram um milagre.
26 de julho de 2011

domingo, 17 de julho de 2011

Potter e eu



um ciclo

[do primeiro
a que vi sozinha
a desejar um filho
na cadeira vazia

ao derradeiro
a que vimos juntos
ele já com dez anos
em minha companhia]


Para meu filho que, por coincidência,
é chamado de Harry aonde quer que vá.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Declaração de amor


do amor
que te tenho,
metade
é verso,
metade
é desenho

escrevo
e bordo,
bordo
e escrevo
que te amo
em alto relevo

e se disso
for feito o amor:
daquilo
que se escreve
e borda,

eu digo
que te amo
além,
tão além
que me transborda

um amor
que não se vê
todo dia:
pudesse voar,
eu te ensinaria


Imagem: Mademoiselle Marie-Therese Durand-Ruel Sewing,
de Pierre-August Renoir, 1882.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Despretensiosa


quando eu era criança
e o ano 2000 distante
a vida parecia simples:
maçã do amor
roda gigante

quando eu era moça
e o ano 2000 realidade
a vida parecia simples:
beijo de amor
faculdade

agora que sou mulher
e o ano 2000 lembrança
a vida parece simples:
gesto de amor
esperança

criança
moça
mulher:
se a vida é simples,
que mais você quer?

a boneca da amiga
o cabelo da vizinha
o corpo sem barriga
a idade da sobrinha
o vestido da vitrine
o esmalte da novela
o prato de talharine
o andar de passarela
o príncipe encantado
o saldo de milionária
o rosto todo esticado
a vida extraordinária


Escrito a partir do texto

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Parábola do ser


o homem
apressou
os passos
na ânsia
de alcançar
o horizonte

e nunca
que ficavam
defronte

até que
se sentou
e fechou
os olhos
com apatia

era ali
que o horizonte
existia


Escrito a partir de:
Ser ou não ser ou des-ser ou re-ser? Eis as questões.
Penso, logo desisto.
Talita Prates, em História da minha alma

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Mistério da fé


não me pergunte
por que acredito

pra mim
sou infinito

andarilha
sempre a seguir


não me pergunte
por que creio

não sou fim
mas o meio

trilha
de eterno ir-e-vir


ninguém me disse
ou não tive ouvido?

parece crendice
o desconhecido

apenas sinto
ser a Verdade


o mundo é pouco
pra tanta beleza

e é preciso ser louco
de quinta grandeza

para nele não ver
a Divindade



Para Pretinha.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Pontual



que vontade de ficar
quando a pressa é de seguir

não importa em que lugar
sem roteiro ou souvenir

o agora não tem preço
faço dele um endereço

- estendo a rede na varanda do tempo -


não me venha perguntar
que eu nem quero responder

já tirei até colar
para nada me prender

o agora não tem ponteiro
é seu próprio paradeiro

- entendo a sede na garganta do tempo -


Escrito a partir de:

vou ficar mais um pouquinho
para ver se eu aprendo alguma coisa
nessa parte do caminho
Tulipa Ruiz, em Efêmera

Onde é que eu atrelo o burro, e que eu desço da sela,
e entrego a rédea a alguém...?
Dalva Maria Ferreira, em Poesias Soltas

sábado, 7 de maio de 2011

Gratidão tardia



mais difícil
que ser mãe
é ser filha
depois disso

não é que alguém,
por você,
quis tamanho
compromisso?


Maternidade é comprometimento. (Twitter)


sábado, 30 de abril de 2011

Contra-ataque





escrevo-lhe
uma poesia
a grafite

0.3

pra que o tempo
um dia
a apague de vez

100%

o papel livre
de todo esse cuspe
e pensamento

A4

folha em branco
ainda sob
meu tamanco

35


O silêncio é uma arma inofensiva. (Twitter)


domingo, 24 de abril de 2011

Incompletamente eu





é pouco
trocar de roupa
lavar o rosto
pintar a boca

[ disfarce ]

é preciso
trocar de humor
lavar a alma
pintar o sorriso

] criar-se [


A mulher nunca se reconhece no espelho. (Twitter)


sexta-feira, 15 de abril de 2011

Prenúncio



de tudo há sinais:
amor que veste colete
caminha pro cais


A despedida se inicia bem antes do fim. (Twitter)


domingo, 10 de abril de 2011

2º aniversário do Doce de Lira



Com mais de 25 mil acessos e cerca de 600 seguidores,
o Doce de Lira completa 2 anos.
Obrigada a todos os leitores!

Para comemorarmos?
O Doce de Lira terá Twitter!

Aguardarei a visita de vocês.


segunda-feira, 4 de abril de 2011

Vale-tudo



Eu amo você não é clichê.
Te quero pra sempre não é demodê.
Amor tem linguagem e etiqueta:
nenhuma bobagem parece careta.


segunda-feira, 7 de março de 2011

A sociedade como ela é



Sem pierrô
e colombina,

sem confete
e serpentina,

a rua cheira
a cigarro e urina.

Carnaval não é fantasia,
mas a nudez de nossa rotina.


sábado, 26 de fevereiro de 2011

Esfarrapado



como
de costume,

o pedido
de desculpa

veio em flores
de tecido:

colorido,
sem perfume,

com anseio
de eternidade


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Eternamente



à véspera dos trinta e cinco
ainda sonho
ainda brinco

como aquela menina de doze
em todo retrato
com a mesma pose

: o tempo não me angustia
toda idade tem poesia

a vida é amarelinha
que pulo sozinha
rumo ao céu


sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ampulheta



sou duna
que te enche os olhos
de segredos

areia
que te escorre fina
pelos dedos


segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Licença poética



e não é que a poesia
ficou tão preguiçosa,
que, da noite pro dia,
fez-se prosa?


segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A bailarina esquecida


Inicie a música antes da leitura.


dentro dessa caixinha,
coisa alguma
é minha

nem joia,
nem pluma,
nem lembrança

sou só uma dança
guardada
entre miudezas

uma valsa
jamais vista
às luzes acesas

- como se falsa
a melodia
do Pianista