domingo, 28 de abril de 2013

De mãe pra filha


um dia desses,
um menino me perguntou:
essa barriga pesa?
não, respondi,
porque a gente reveza
e, na maior parte do tempo,
é ela que me leva.

é isso.
há seis, sete meses,
tenho sido uma barriga ambulante
que não sossega nem por um instante,
nem pra dormir.

e é tão curioso.
eu nem sei de quem parte a vigília:
de mim
ou da minha filha,
talvez mais atenta ao que me acontece
do que eu ao que realmente lhe alcança.

e me dizem gestante
e a ela, criança.
a maternidade é uma ironia,
porque lá de dentro
em silêncio
é ela que me cria.

antes dela,
eu não sorria
nem chorava assim.
eu não tinha desejos
nem planos de uma vida longa.
éramos só eu e meu umbigo.
e ele estufou-se
e me abriu pro mundo.

somente agora percebo
o quanto viver é dádiva
e o quanto amar é profundo.

nunca nos vimos
e por tantas vezes
já nos encaramos.
ela se estica,
os braços e as pernas ao limite.
e eu me contraio,
todo um ensaio pro parto.

quem é mesmo que vai nascer?

eu vou pro quarto,
apago as luzes,
rezo porque aprendi há pouco.
ela se mexe,
acende as luzes
e me pede pra lhe dar uma história.

e eu lhe conto,
ponto a ponto,
a última que me foi ensinada:
a de que vim menina
pra lhe ter mulher,
um ventre dentro de outro
e, quiçá, de outro
e de outro
e de outro.

é, verdade, menino,
a barriga pesa:
eu carrego o destino dos dias,
o desafio das décadas,
a concepção das eras.

mas meu corpo resiste
a todas as primaveras
na espiral das moléculas,
na gratidão do universo.



Monólogo escrito a partir de uma conversa com a atriz Lívia Gomes, grávida de Cecília.
Fotografia: Lívia Gomes, Cecília e Amanda Martins, por Felipe Saleme.

Twitter: Toda mulher carrega a própria origem.
Tema da Exposição Ventre, com fotografias de Diego Zanotti e poemas de minha autoria.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Despudor


a mudez,
a sua antes da minha,
ambas a me ensurdecerem
por dentro.

quantas palavras omitidas ao vento?
quantas sílabas perdidas na língua?

a minha boca e a sua boca
trancadas.

que verdades requerem sigilo?
que intimidades se querem preservadas?

a minha mudez,
antes da sua,
insinua-se:
calar faz calor nas gengivas.

para que sepultar vontades
quando elas se nos dizem vivas?

a sua boca e a minha boca
fundidas.

que estranheza tem esse silêncio
se ele vem de nossas lambidas?

o imaginário é sempre real:
a nossa mudez,
a sua e a minha,
é a de um beijo atemporal.



Twitter: O beijo antecede às bocas.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

4 anos de Doce de Lira


Queridos leitores,

muito obrigada por acompanharem minha produção literária.
Quase não tenho atualizado o blog.
E o motivo é a organização do meu primeiro livro:

doce de lira, poesia à mesa.

Tão logo ele saia do forno, contarei a vocês.
Um grande abraço da Confeiteira.