quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Desapego


esqueça os olhos pra me olhar.
as pupilas, de tão meninas,
sequer avistam aonde deve chegar.

esqueça a língua pra me beijar.
as papilas, à superfície,
jamais alcançam o que pode provar.

esqueça o papel pra me falar.
os papiros e hieróglifos
ocultam o que anseiam revelar.

esqueça-se de si pra me amar.
as pepitas, leves e raras,
não sabem que valem para brilhar.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Sapiência


e não havia o que ser dito
nem sempre a palavra cabe
nem sempre a palavra sabe
é o corpo que assume o rito
o pulso feito bússola da vida
nem sempre o olhar enxerga
nem sempre o olhar enverga
e a direção é sempre sentida
o corpo a anteceder a mente
que se cale a boca da língua
que se fale a língua da boca
que verdade é sempre silente
se não havia nada a ser dito
é porque o corpo era sóbrio
é porque o corpo era sábio
e sabia que o saber é finito



... sapientia, que quer dizer conhecimento saboroso.
Sapere, em latim, tem o duplo sentido de "saber" e "ter sabor". 
Rubem Alves, em Variações sobre o prazer.
  
Imagem: Vitarka mudra.