terça-feira, 21 de abril de 2015

Sobrevoo

 
eu era moça e meu filho, um menino.
eu já lhe apontava pr'onde olhar,
mas ainda a ignorar que os olhos
são livres e se antecipam às mãos.
haveriam sempre de pousar
os dele onde quisessem,
assim como os meus, que sabia
tão deslumbrados com os voos
que raramente pousavam.
só os sonhos de infância
sobrevoam a vida.
todos os outros, inventados
por alguma mentira, nublam-se
e caem em queda livre feito chuva.
quem éramos, mãe e filho,
naquele instante evaporado?
o tempo cuidou de se amarelar
na fotografia esquecida à gaveta.
 
 

Imagem: fotografia de família.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Mudo

 
há um não dito naquilo que me diz
o segredo é grito detido à garganta
enquanto não puser os pingos nos is
eu farei a leitura que hoje me espanta
 
coração é solo de um campo minado
um passo em falso e o amor se despedaça
seu silêncio mantém o mapa guardado
meus pés titubeiam temendo a desgraça
 
a verdade é bem-vinda ainda que doa
o que a boca confessa a alma perdoa
pra que entre nós estratégias de guerra?
a verdade que é dita a si mesmo enterra 
 

sábado, 11 de abril de 2015

6 anos de Doce de lira

 
Muito obrigada a todos os que visitam esta confeitaria poética,
seja aqui no blog, seja através do facebook.
 
Beijo grande da Confeiteira!

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Templo

 
a sala
de estar despida
de móveis
me convida
a também estar
imóvel
 
a parede
da memória
sem retrato
 
o tapete
do desejo
sem poeira
 
a estante
da ilusão
sem bibelôs
 
as almofadas
de sonhos
sem espuma
 
no vazio
a minha voz
se torna eco
desse silêncio
que há
em nós
 
somos todos o imóvel
em que acumulamos
as coisas
 
e acabamos por crer
que somos as coisas
que acumulamos
 
 
 
a sala
de jantar inerte
no apartamento
me adverte
a sempre jantar
sem fome
 
a panela
de pedra
sem tampa
 
a chama
de fogo
bem branda
 
os pratos
tão rasos
quanto os olhos
 
os talheres
ainda mais leves
que as mãos
 
a verdade
é que a vontade
desaparece
nesse silêncio
que há
em nós
 
somos todos o imutável
em que acontecem
as coisas
 
e acabamos por crer
que somos as coisas
que acontecem
 
 
 
a casa inteira me grita
em meio à mudança:
tudo vem
fica
se cansa
e parte
antes que se diga
assim seja
 
pois que
assim seja
simplesmente
porque assim é:
muito além
de tudo
que eu sinta
ou veja