sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Tolos


não,
já não bastam
os muros,
as paredes,
os mármores,
as portas de aço.
eles querem pichar seus olhos.
para que vejam
ou para cegá-los?
uma pergunta,
uma só pergunta
diante do estrago:
eles julgam que enxergam?


terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Semeadura


os sonhos somente são sonhos se esquecidos no sótão.
se saem, são sopros que alcançam o céu em segundos.
quase pássaros, que sobrevoam as pessoas lá de cima.
e que, solidários, lançam sementes ao solo dos mundos.
eu passo e encontro ao chão essas sementes de sonho.
sorrio, silencio, conservo esse sublime estado de graça.
se do céu recebo sementes é pra serem compartilhadas.
e saio, então, de mãos cheias a presentear quem passa.
é assim que os sonhos se esparramam e se reproduzem.
conosco, semeadores simples e de mãos sempre vazias.
os sonhos somente são sonhos se esquecidos no sótão.
se saem, são bênçãos que resultam em frutos e alegrias.



Escrito para a peça de teatro Do fio ao pavio.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Poesia à mesa


Queridos leitores,

o lançamento do livro foi um lindo encontro
no Teatro Clara Nunes, do Sesc Juiz de Fora.

Muito obrigada a todos
os que participaram e prestigiaram o evento.

O livro encontra-se à venda
na Planet Music, em Juiz de Fora, 
e no site Doce de lira.


sábado, 23 de novembro de 2013

Lançamento: doce de lira, poesia à mesa


Queridos leitores,

é com imensa alegria que anuncio o lançamento do meu livro
doce de lira, poesia à mesa.

Com 120 páginas e 78 poemas,
a obra foi prefaciada pela escritora, atriz e cantora Elisa Lucinda.

O lançamento será muito especial:
eu e vários artistas no palco do teatro Clara Nunes
para uma noite de bate-papo, poesia e música.

Aos que não puderem comparecer e se interessarem pela obra,
favor se utilizarem do e-mail:
contato@docedelira.com.br.


domingo, 10 de novembro de 2013

Salão de belezas


quase não passo Renda nas unhas,
esses dedos pálidos me parecem
excessivamente virginais.
acabo sempre por escolher entre os vermelhos,
aquele que, num semitom acima ou abaixo,
coerentemente mantenha os meus dedos
como pecados confessos.

enquanto observo a francesinha fresca
da senhora sentada na cadeira ao lado,
a manicure ainda em experiência
me conta em segredo
que está grávida
não-sabe-de-quantas-semanas
e que passa muito mal.
confidente, sou responsável pelo que escuto
e as unhas das minhas mãos
são, então, pintadas aos sussurros,
eu a explicar à moça com que especialista
ela precisaria consultar-se.

ao redor, os burburinhos abafados
pelos incontáveis secadores de cabelo,
mulheres a folhearem Caras
durante o esticar ou o descolorir de seus fios.
a cada página virada, um muxoxo:
como pode a celebridade estar em forma
um mês após o terceiro parto?
e logo alguém lhe dá um peteleco no braço:
olha só quem fala,
você, com esse corpinho, nem parece ser mãe...

durante as unhas dos pés,
descubro que a manicure grávida
já tem um filho de seis anos.
a mesma idade, talvez, da menina
que vejo autorizada pela mãe,
antes da terceira manha,
a sentar-se ao lavatório,
sobre duas almofadas,
os pezinhos suspensos,
para lavar os seus cabelos compridos
pela primeira vez em um salão.
a mãe hesitantemente define
o tonalizante na cartela de cores,
enquanto a filha se ruboriza em gracejos,
um jovem homem a ineditamente
massagear seus cabelos,
da nuca às pontas embaraçadas.

com cuidado, peço à atendente
que pegue em minha carteira
o valor para pagamento dos serviços.
e saio de mãos e pés ligeiramente recuados,
para preservar meu vermelho Nunca fui santa.



Escrito a partir do texto O salão,

domingo, 3 de novembro de 2013

Croqui


a grafite
escrevo teu nome
no canson branco
e o circulo
pra te retratar
inacessível.

o desenho
ainda incompleto
e quase manco
já pressente
ser o nosso encontro
pouco provável.

por isso não sofro:
empunho o grafite
e te sei impossível.

por isso não choro:
pra que marca d'água
em papel descartável?

verdade:
perspectiva,
se consiste na razão das distâncias,
é o contrário de saudade.



Escrito a pedido de Rizza Riizza,
autora dos três últimos versos.

Imagem: croqui de Oscar Niemeyer.

domingo, 27 de outubro de 2013

Óvni


na roça da minha infância,
em toda noite de céu estrelado,
minha avó chegava à janela,
abria os braços
e pedia num sorriso:
vem me buscar,
Ser do espaço,
mesmo que seja
pr'um breve passeio!
eu assistia àquilo
com medo,
por acreditar na minha avó
e, consequentemente, em ets.
a nave nunca veio,
pelo menos não na minha frente.
hoje,
sempre que chego à janela
e vejo as estrelas,
em segredo
abro os braços
e peço num sorriso:
vozinha, me espera...
minha nave também vai chegar.



Escrito durante a oficina A arte de tecer com o fio da memória,
ministrada por Raquel Lara Rezende na programação do Sesc Literatura,
promovido pelo Sesc Juiz de Fora.

domingo, 13 de outubro de 2013

Aureliana


em alguma estante esquecida,
plastificado desde a infância,
de folhas amareladas e nunca secas,
Aurélio ainda insiste e me convida:
a conhecer cada palavra sua
por mim mesma.



ministrada por Julio Satyro na programação do Sesc Literatura,
promovido pelo Sesc Juiz de Fora.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Pastel


precisei
cheirar o giz de cera
pra saber que ele tem cor



ministrada por Julio Satyro na programação do Sesc Literatura,
promovido pelo Sesc Juiz de Fora.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Doce de lira, poesia à mesa


Queridos leitores,

apresento-lhes, com imensa alegria, a capa do meu primeiro livro,
aprovado pela Lei Murilo Mendes edição 2012.

A arte é assinada por Fabrícia Batista.

Muito em breve, anunciarei o lançamento.
Beijo da Confeiteira!


domingo, 22 de setembro de 2013

Amor-dos-homens


ela achava prazer uma palavra
indecente.

e foi isso que me ensinou:
a indiferença dos olhos,
a amargura da boca,
a obstrução dos poros.

desobedeci:
lambi com os olhos,
explorei com a boca,
gozei com os poros.

eu acho prazer uma verdade
indecente.



Escrito a partir de uma conversa com Rizza Riizza,
autora dos dois primeiros versos.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Salve, salve


eu assisto de casa ao movimento nas ruas
e me envergonho.

por que me mantenho ao sofá
se não vivo o país com que sonho?

eu sei que há
fartura de fome,
penúria de teto,
salas de aula e quartos de hospital miseráveis.

por que me calo,
se não pelo conforto das almofadas?

sei que há
preguiça parlamentar,
soberba no veto,
avareza de terno e gravata impecáveis.

por que me calo,
se não pelas pernas descansadas?

as ruas se colorem de jovens
de doze a cem anos de idade
num coro improvisado de protesto.

a imprensa ignora ou manipula o fato,
fala das copas, dos ouros e de todo o resto.

e eu me envergonho nesse pijama listrado,
como que indiferente às dores do povo.

é tão fácil censurar o manifesto.
confesse: o que tem feito por um Brasil novo?


quinta-feira, 6 de junho de 2013

Angu


Se todo passado é poço,
a infância é mina
da água mais fresca e cristalina,
eternamente potável
e quase doce.
Quase.
Não fosse o caroço,
a fruta seria só polpa.
Mas sem alma,
o corpo só teria roupa.
Ainda bem que toda fase,
principalmente a infância,
tem caroço e alma.
A gente cresce,
primeiro em osso,
depois em calma,
com a lição
de que a vida inteira é metade:
colo e família,
sonho e vigília,
dor e felicidade.
Uma lenta descoberta:
o amor só existe por dentro.
Por isso, toda relação é incerta.
Raramente, a gente se sente amado.
Seria o amor um caroço guardado?
Por que, então,
a gente não sai de boca aberta
e cheio de vontade
até alcançar o caroço do outro?
É que o medo dá azia.
Perde-se a fome,
altera-se o paladar.
Ninguém come.
Cada caroço em seu lugar.
E, aos poucos, a gente entende:
a alma é que escolhe a quem amar.
Assim,
alguma solidão sempre será companhia.
O fim, ao começo.
A noite, ao dia.
E todo sorriso terá gosto
de lágrima caída.
A vida é isso:
uma panela de mingau quente,
feito de fubá, água e melancolia
quase sem pressa.
Quase.
O tempo é esse fogo que não cessa.



Escrito após a leitura de Por parte de pai,

domingo, 28 de abril de 2013

De mãe pra filha


um dia desses,
um menino me perguntou:
essa barriga pesa?
não, respondi,
porque a gente reveza
e, na maior parte do tempo,
é ela que me leva.

é isso.
há seis, sete meses,
tenho sido uma barriga ambulante
que não sossega nem por um instante,
nem pra dormir.

e é tão curioso.
eu nem sei de quem parte a vigília:
de mim
ou da minha filha,
talvez mais atenta ao que me acontece
do que eu ao que realmente lhe alcança.

e me dizem gestante
e a ela, criança.
a maternidade é uma ironia,
porque lá de dentro
em silêncio
é ela que me cria.

antes dela,
eu não sorria
nem chorava assim.
eu não tinha desejos
nem planos de uma vida longa.
éramos só eu e meu umbigo.
e ele estufou-se
e me abriu pro mundo.

somente agora percebo
o quanto viver é dádiva
e o quanto amar é profundo.

nunca nos vimos
e por tantas vezes
já nos encaramos.
ela se estica,
os braços e as pernas ao limite.
e eu me contraio,
todo um ensaio pro parto.

quem é mesmo que vai nascer?

eu vou pro quarto,
apago as luzes,
rezo porque aprendi há pouco.
ela se mexe,
acende as luzes
e me pede pra lhe dar uma história.

e eu lhe conto,
ponto a ponto,
a última que me foi ensinada:
a de que vim menina
pra lhe ter mulher,
um ventre dentro de outro
e, quiçá, de outro
e de outro
e de outro.

é, verdade, menino,
a barriga pesa:
eu carrego o destino dos dias,
o desafio das décadas,
a concepção das eras.

mas meu corpo resiste
a todas as primaveras
na espiral das moléculas,
na gratidão do universo.



Monólogo escrito a partir de uma conversa com a atriz Lívia Gomes, grávida de Cecília.
Fotografia: Lívia Gomes, Cecília e Amanda Martins, por Felipe Saleme.

Twitter: Toda mulher carrega a própria origem.
Tema da Exposição Ventre, com fotografias de Diego Zanotti e poemas de minha autoria.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Despudor


a mudez,
a sua antes da minha,
ambas a me ensurdecerem
por dentro.

quantas palavras omitidas ao vento?
quantas sílabas perdidas na língua?

a minha boca e a sua boca
trancadas.

que verdades requerem sigilo?
que intimidades se querem preservadas?

a minha mudez,
antes da sua,
insinua-se:
calar faz calor nas gengivas.

para que sepultar vontades
quando elas se nos dizem vivas?

a sua boca e a minha boca
fundidas.

que estranheza tem esse silêncio
se ele vem de nossas lambidas?

o imaginário é sempre real:
a nossa mudez,
a sua e a minha,
é a de um beijo atemporal.



Twitter: O beijo antecede às bocas.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

4 anos de Doce de Lira


Queridos leitores,

muito obrigada por acompanharem minha produção literária.
Quase não tenho atualizado o blog.
E o motivo é a organização do meu primeiro livro:

doce de lira, poesia à mesa.

Tão logo ele saia do forno, contarei a vocês.
Um grande abraço da Confeiteira.


domingo, 24 de março de 2013

Emergência


poesia:

antídoto
contra tédio

remédio
a contratempos

soro
antipreguiça

orvalho
que cai, lava e benze
e não aterrissa


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A provisoriedade do luto


corpo algum ressuscita.
os mortos permanecerão mortos
independentemente de homenagens e visitas.
mas as cinzas falam.
e denunciam o que ninguém quer ouvir.
há mais festas e fogos,
carnavais e jogos
que labor por aqui.
a autoridade viaja,
a vigilância adormece,
o proprietário enriquece:
a fatalidade data de alguns anos.
indolente,
o governo apaga incêndios
e paga perdas e danos.