sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A menina remendada


ela brinca
e sonha
tem medo
e vergonha

ela pula
e canta
às vezes
se espanta

ela é linda
e doce
melhor
que não fosse

a boneca é de pano:
tecido humano


ela reza
e confia
só gosta
do dia

ela vai
ela vem
a mando
de alguém

ela chora
e se deita
já menos
perfeita

a boneca é de pano:
retalho humano


com perdão e renda
ela se remenda

ela se remenda
com renda e perdão



Escrito em 2 de junho de 2011
para a querida Adriana Barata,
roteirista e diretora do curta Casa de Boneca,
minha estreia na maquiagem cênica.
O tema do filme é o abuso sexual infantil.

domingo, 11 de novembro de 2012

Tocaia


Os baús me têm cochichado
coisas. Por sugestão ou enfado?
Bastaria que saltassem todas,
a evasão dos pertences mudos.
Mas não. Eles ficam, as coisas,
os baús e os murmúrios.
Desarmados, roçam-me
os ouvidos, que tremem.
Resposta imprevista
essa que vem dos baús amontoados.
Ficassem ali no canto, hermeticamente
reclusos, só fariam volume na despensa
da casa. São astutos:
criam frestas, de onde
miram minha nuca e orelhas.
A ordem do caos em dia.
O dia do caos em ordem.



Escrito durante as oficinas do projeto Ave, Palavra,
promovido pela livraria A Terceira Margem.