domingo, 10 de novembro de 2013

Salão de belezas


quase não passo Renda nas unhas,
esses dedos pálidos me parecem
excessivamente virginais.
acabo sempre por escolher entre os vermelhos,
aquele que, num semitom acima ou abaixo,
coerentemente mantenha os meus dedos
como pecados confessos.

enquanto observo a francesinha fresca
da senhora sentada na cadeira ao lado,
a manicure ainda em experiência
me conta em segredo
que está grávida
não-sabe-de-quantas-semanas
e que passa muito mal.
confidente, sou responsável pelo que escuto
e as unhas das minhas mãos
são, então, pintadas aos sussurros,
eu a explicar à moça com que especialista
ela precisaria consultar-se.

ao redor, os burburinhos abafados
pelos incontáveis secadores de cabelo,
mulheres a folhearem Caras
durante o esticar ou o descolorir de seus fios.
a cada página virada, um muxoxo:
como pode a celebridade estar em forma
um mês após o terceiro parto?
e logo alguém lhe dá um peteleco no braço:
olha só quem fala,
você, com esse corpinho, nem parece ser mãe...

durante as unhas dos pés,
descubro que a manicure grávida
já tem um filho de seis anos.
a mesma idade, talvez, da menina
que vejo autorizada pela mãe,
antes da terceira manha,
a sentar-se ao lavatório,
sobre duas almofadas,
os pezinhos suspensos,
para lavar os seus cabelos compridos
pela primeira vez em um salão.
a mãe hesitantemente define
o tonalizante na cartela de cores,
enquanto a filha se ruboriza em gracejos,
um jovem homem a ineditamente
massagear seus cabelos,
da nuca às pontas embaraçadas.

com cuidado, peço à atendente
que pegue em minha carteira
o valor para pagamento dos serviços.
e saio de mãos e pés ligeiramente recuados,
para preservar meu vermelho Nunca fui santa.



Escrito a partir do texto O salão,

2 comentários:

Renata de Aragão Lopes disse...

Renda e Nunca fui santa
são esmaltes da Risqué.

Fabrício César Franco disse...

Poetisa,

Lê-la é como adentrar um universo a que não tenho acesso, normalmente, ou ainda, como se eu lesse algo traduzido de outro idioma. Entendo as palavras, procuro visualizar as imagens, mas caem naquele canto da mente, intitulado: mistérios.

Beijo!