terça-feira, 18 de junho de 2013

Salve, salve


eu assisto de casa ao movimento nas ruas
e me envergonho.

por que me mantenho ao sofá
se não vivo o país com que sonho?

eu sei que há
fartura de fome,
penúria de teto,
salas de aula e quartos de hospital miseráveis.

por que me calo,
se não pelo conforto das almofadas?

sei que há
preguiça parlamentar,
soberba no veto,
avareza de terno e gravata impecáveis.

por que me calo,
se não pelas pernas descansadas?

as ruas se colorem de jovens
de doze a cem anos de idade
num coro improvisado de protesto.

a imprensa ignora ou manipula o fato,
fala das copas, dos ouros e de todo o resto.

e eu me envergonho nesse pijama listrado,
como que indiferente às dores do povo.

é tão fácil censurar o manifesto.
confesse: o que tem feito por um Brasil novo?


quinta-feira, 6 de junho de 2013

Angu


Se todo passado é poço,
a infância é mina
da água mais fresca e cristalina,
eternamente potável
e quase doce.
Quase.
Não fosse o caroço,
a fruta seria só polpa.
Mas sem alma,
o corpo só teria roupa.
Ainda bem que toda fase,
principalmente a infância,
tem caroço e alma.
A gente cresce,
primeiro em osso,
depois em calma,
com a lição
de que a vida inteira é metade:
colo e família,
sonho e vigília,
dor e felicidade.
Uma lenta descoberta:
o amor só existe por dentro.
Por isso, toda relação é incerta.
Raramente, a gente se sente amado.
Seria o amor um caroço guardado?
Por que, então,
a gente não sai de boca aberta
e cheio de vontade
até alcançar o caroço do outro?
É que o medo dá azia.
Perde-se a fome,
altera-se o paladar.
Ninguém come.
Cada caroço em seu lugar.
E, aos poucos, a gente entende:
a alma é que escolhe a quem amar.
Assim,
alguma solidão sempre será companhia.
O fim, ao começo.
A noite, ao dia.
E todo sorriso terá gosto
de lágrima caída.
A vida é isso:
uma panela de mingau quente,
feito de fubá, água e melancolia
quase sem pressa.
Quase.
O tempo é esse fogo que não cessa.



Escrito após a leitura de Por parte de pai,