domingo, 4 de junho de 2017
Peça
Marcadores:
amor,
arte,
cotidiano,
datas,
desentendimento,
diálogo,
elas e eles,
intimidade,
palavra
quarta-feira, 29 de março de 2017
Distração
a borboleta pousou
em minha pálpebra
para voar com meus
olhos. sou mais livre
que ela. eu sou o ar.
e o vácuo. sei disso.
e ela ainda não. ela
ainda não vê que o
colorido das asas é
só sedução. ela voa
mais perto do chão
que do céu. ela nem
sabe que viveu num
casulo. ela vem e só
me cobre a pálpebra
por me pensar vivo,
sem me sentir nulo.
vai, borboleta, siga
seu curso. mas leve
consigo o vento dos
meus cílios sem raiz.
Para Diego Zanotti.
Fotografia: Diego Zanotti.
domingo, 19 de março de 2017
Auditiva
o silêncio fala.
tenho ouvido
cochichos
de longe
como se
da sala.
palavras
mudas
como que
ocultas
nos nichos
da estante.
dizem-me
pouco,
mas já
o bastante.
do corredor
à porta,
eu danço
ao passo
da escuta.
e desço
a escada
à espera
da próxima
frase
diminuta.
quinta-feira, 16 de março de 2017
Dunas
eu já fui tantas
que até duvido da minha
individualidade.
se plurais
as alegrias e as dores,
incontáveis
as angústias e os amores,
e imprevisíveis
os medos e as saudades,
como posso caber
na forma provisória e estreita
do meu nome?
eu sou feita de muitas:
das que ainda sou,
das que descartei por inutilidade,
das que perdi por distração ou preguiça,
das que sonhei conhecer algum dia.
areia aos ventos,
eu sou todas as dunas possíveis
e, em dias de tempestade, movediça.
a real ameaça
às minhas crenças,
o desvio ou atalho
em meu próprio caminho.
há fantasmas que me habitam
e falam não sei de onde.
toda vez que você me chama,
um coro é que lhe responde.
Poema de abertura da primeira edição do Projeto "O som da poesia",
desenvolvido com Thiago Miranda.
Marcadores:
datas,
ego,
mulher,
o som da poesia
domingo, 5 de março de 2017
Libidinoso
já nem preciso
fechar os olhos:
na sobra de sol
que pula
a janela do quarto
na dobra do lençol
que ondula
o relevo do ventre
na manobra do vento
que burla
o véu das cortinas
vejo você
à claridade do dia
e falo
entre...
lábios que amanhecem
pernas que obedecem
a cama está vazia
Tela: Floating Nude, de Gustav Klimt.
Marcadores:
desejo,
diálogos,
intimidade,
mulher
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017
Vida
Clique antes de iniciar a leitura.
que silêncio é esse
que desassossega?
que som é esse
que cega?
que voz é essa
que some?
que luz é essa
no breu?
que sol é esse
só meu?
que chama é essa
que consome?
que sopro é esse
que desce?
que brisa é essa
que aquece?
que ar é esse
que é fome?
que chão é esse
que acolhe?
que solo é esse
que recolhe?
que casa é essa
a do homem?
que noite é essa
vermelha?
que sono é esse
centelha?
que sonho é esse
sem nome?
domingo, 19 de fevereiro de 2017
Assim seja
ouço o sino da igreja.
é domingo, começa a missa.
o sol já lambe o lençol e atiça rubores.
a cama por fazer, a alma de joelhos, confesso-me.
errei todas as vezes, errei - digo ao espelho.
e ele se põe a exibir o passado em plano-sequência, todo um roteiro
[de improviso.
errei o tempo, as falas, os gestos, o choro, o riso.
não sou atriz, não sei ser personagem de mim mesma.
errei todas as vezes porque quis, à ignorância do que queria.
coisa mais difícil essa de se conhecer assim, dentro e fora.
eu, cotovia ao céu na inexperiência das asas.
a água no rosto me benze.
perdão - peço a mim e a você.
poema é prece a que se reza sem pressa.
desnecessário crer.
a palavra entra pela fissura, a palavra fura, a palavra enche de luz
[quartzos opacos.
a manhã segue em procissão.
ao som de um canto pagão, bebo da taça de vinho tinto deixada à mesa.
e comungo da beleza que a janela revela: a dança das nuvens
[às escusas do vento.
Tela: A Virgem, de Gustav Klimt.
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
Sonambulismo
despertei
num sonho
com a dúvida
de quanta vida
disponho? e me
pus a contar o ar
molécula a molécula
e faltava. não havia
ar para tanto fogo.
o desejo não era
pouco, fiquei a
relembrar as
ardências
febrícula por febrícula
e desmaiei.
e acordei num
outro sonho com
a dúvida de quanta
vida disponho? e me
pus a contar os mares
gotícula por gotícula
sem pressa. era ali que
o desejo habitava. era
essa a sua natureza
: o desejo é coisa
das águas. vem
da profundeza
náugrafo a náufrago
Imagem daqui.
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017
domingo, 5 de fevereiro de 2017
Mulher
eu sou toda purpurina
sob a pele de cetim
poeira brilhante e fina
um cromossomo me fez assim
um cromossomo me fez assim
menina, era boneca
com vestido de jardim
orvalho que nunca seca
o espelho viu e contou pra mim
o espelho viu e contou pra mim
pareço falar demais
mas toda história é sem-fim
palavras pelos varais
o homem diz que falo em latim
o homem diz que falo em latim
tenho garras de leoa
e colo de querubim
sou mãe de qualquer pessoa
o amor se inventa no camarim
o amor se inventa no camarim
a rotina de armadilhas
ameaças de festim
com a força das virilhas
a mulher voa do trampolim
a mulher voa do trampolim
Tela de Frida Kahlo.
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017
Corrente
há um fio
invisível
que une
memórias
de ponta
a ponta
toda conta,
lembrança
a cada miçança,
nós
um fio
comprido
que liga
estórias
ponto
a ponto
todo conto,
segredo
a cada enredo,
nós
arrebentou-se o fio
cederam-se as margens
colhi os seixos rolados
emergiu você
Após leituras de Psicologia, em dia de Iemanjá.
terça-feira, 31 de janeiro de 2017
Eu me importo
quem você pensa que é
pra fazer o que bem quiser
consigo?
sim
eu não sou seu amigo
nem sei o seu nome
mas há algo que nos liga
: pelo umbigo
o ar que você respira
também é meu
o sol
a lua
as estrelas
você está
sob o mesmo céu
que eu
que distância
pode existir entre nós
se você escuta
a minha voz?
somos feitos do mesmo barro
da mesma proporção
de água e terra
e você insiste
em me chamar
de outro
em me julgar
estranho
em me declarar
guerra
não
você não sabe
que eu sou você
em algum momento
na dor
no amor
na alegria
somos sempre
um só
ao relento
a vida
é labirinto
de espelhos
é que muitos andam
de olho vendado
você acha que segue
um caminho distinto
mas a Terra nos gira
pro mesmo lado
Para Felipe Saleme, em 2012.
domingo, 29 de janeiro de 2017
terça-feira, 17 de janeiro de 2017
Habite-me
obra,
preciso de
guarda-corpo
and'aime
e roda-pés
Imagem: eu em Kiss, inspirado por Gustav Klimt - Kaliningrad Amber
sábado, 14 de janeiro de 2017
Cristalino
ainda procuro você
em meus olhos
vasculho à lupa
o vão da retina
e ali encontro
só luz e névoa
você me vendo
e vindo neblina
as mãos côncavas
o coração convexo
a vontade convicta
o cérebro perplexo
até que dos olhos
ele inverte a poesia
e o vislumbre da volúpia
se esvazia
Fotografia: eu, por Felipe Saleme.
domingo, 4 de dezembro de 2016
Hóspede
Gullar não morreu
- só foi habitar poema
mais perto de Deus -
Fotografia: Ferreira Gullar (10.09.1930 - 04.12.2016)
Marcadores:
fé,
haikais,
homenagens,
vida
domingo, 20 de novembro de 2016
Ordem
o céu me disse:
_ pede
pedi - pedi - pedi
e o céu me disse:
_ receba
recebi - recebi - recebi
e o céu me disse:
_ cede
cedi - cedi - cedi
e o céu me disse:
_ sobe
subi
Ao meu tio Geraldo.
sábado, 17 de setembro de 2016
Fortaleza
a dor da ausência
a perda da forma
a recusa do toque
o medo da recidiva
a mulher viva de peito vazio
a mulher viva e o peito vazio
a mulher viva e o vazio
mulher e vazio
mulher
Escrito após o filme Aquarius, com Sônia Braga.
Fotografia: Aquarius.
domingo, 21 de agosto de 2016
Andaime
ergui um castelo para matrioskas
:
tijolos de papel
argamassa de palavras
:
piso de madeira
casa sem fundação
:
voaria
:
:
:
:
não fosse o peso de quem o habita
em sigilo
Fotografia: Helena Terra.
Marcadores:
diálogos,
ego,
fotografia,
palavra
Assinar:
Postagens (Atom)