domingo, 8 de junho de 2014

Átomos



ei!

há quanto tempo
você gira nessa órbita?

você sabe o que circula?

o que é que você enxerga
em meio a essa poeira cósmica?

conhece seu eixo?

se eu fosse você, parava.
por obséquio.

é que a sua órbita
interfere na minha.

cada vez que gira
irresponsavelmente,
movimenta partículas
por toda parte.

e eu,
cá no meu centro,
apenas sofro.



Para Edmo Magalhães.

sábado, 24 de maio de 2014

Pixels


Onde, hoje,
a vida real é mais importante
que o seu registro em celulares?
Todos querem mesmo é anunciar
que foram aqui-e-ali
e fizeram isso-e-aquilo.
Ir e fazer tornaram-se méritos em si.
A vivência? Inteiramente secundária.


sábado, 10 de maio de 2014

Ano-luz


(talvez você não entenda,
eu mesma demorei
a compreender o fato)

desde o exato momento
em que me soube mãe,
tudo cresceu em mim:
o amor, o sabor, o olfato

meu filho ainda tão pequeno
e grande o bastante
pra me fazer gestante:
essa condição tão estranha
de criar na própria entranha
uma vida que não a minha
e maior que a minha
e maior que o mundo

(sim, é possível
que você não entenda
e não há problema,
isso não muda nada)

a cada vez
que me digo mãe,
tudo se clareia em mim:
o amor, a dor, a estrada

meu filho ainda tão pequeno
e grande o suficiente
pra me pôr consciente:
essa condição tão estranha
de ver além da montanha
um caminho que não o de agora
e maior que o de agora
e maior que o mundo

(não, ninguém entenderá,
é possível que julguem um desatino)

o menino
que habita meu ventre
é uma estrela

(sim, es-tre-la)

com trajetória celeste
desconhecida,
luz própria, calor,
grandeza

pequenina centelha
sem nome
que me veio trazer
a certeza:

também sou estrela,
somos todos estrelas
maiores que nós,
maiores que o mundo



Escrito para a querida amiga Débora Coghi.

sábado, 12 de abril de 2014

5 anos de Doce de Lira


Queridos leitores,

o blog completou 5 anos na data de ontem.
Muito obrigada por acompanharem minha produção literária
aqui, no facebook e/ou no livro doce de lira, poesia à mesa.

Um abraço imensamente feliz da Confeiteira!


sexta-feira, 7 de março de 2014

Rapunzel

In the Bleak Midwinter by Loreena McKennitt on Grooveshark
Inicie a música antes da leitura.



eu sou
essa mulher
no alto da torre.
que o escolheu e lhe
ofereceu as longas tranças
pra que subisse e a encontrasse.
caminhar distraído, você foi laçado.
sem saber o que o esperava. sem sequer
desconfiar do que lhe viria depois dos cabelos. 
não lhe dei escolha. você teve de subir e escorregar,
subir e escorregar. subir e escorregar tantas vezes quantos
fossem os seus medos. de altura, de tontura, de devaneio. hoje,
eu o vejo da torre à metade do caminho. ainda perdido, desajeitado,
quase aflito. as tranças retas, você insiste em sabê-las curvas. eu espero.
eu esperei a vida inteira. sei que, um dia, terei a cabeça leve e a nuca livre.
e desceremos da torre juntos, finalmente de mãos dadas. degrau por degrau.


terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Sombrio


eu sempre espero

e porque sempre espero
já esqueci o porquê da espera

as coisas são assim: perdem-se
quando não encontradas

entre o sonho e a quimera
há só duas polegadas

se o que espero vier um dia
será tarde muito tarde

onde pus a lamparina
que tanto ardia e não mais arde?


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Rarefeito


é que

a brisa vem de fora
e o sopro sai de dentro

a brisa se demora
e o sopro é um momento

ela tão despretensiosa
e ele com tanto intento

ela toda misteriosa
e ele parte do centro

brisa frescor da alma
sopro calor do corpo

o sopro a conter a brisa
e a brisa feita de sopro



Escrito após a peça teatral Estranho farol dos cacos,
de Felipe Moratori.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Na ribeira


sem lavar os olhos, eu farejo
coisas a quilômetros

você nem desconfia, mas
deixou vestígios no azul
do azulejo da pia antes mesmo
de abrir esta torneira de água
barrenta e fria

saiu de mãos sujas e elas cheiram
ainda mais à distância,
que piedade

o podre se agarrará às unhas
quanto maiores a ganância
e a maldade

deixe-me aqui:

ciente de que esta água
fria e barrenta a seguir
pelo ralo bolorento
me orienta a abrir os olhos
de remela

sem lavá-los, eu farejo
coisas a quilômetros

minha alma é lavada a barrela




quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Réveillons


adoraria dizer que algo mudou, mas
não, não posso. nada muda assim,
não assim de um dia pro outro.
dezembro virou janeiro
e isso jamais alterou os fatos.
ainda somos você e eu
os mesmos de antes da ceia,
talvez apenas um pouco mais fartos.


sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Tolos


não,
já não bastam
os muros,
as paredes,
os mármores,
as portas de aço.
eles querem pichar seus olhos.
para que vejam
ou para cegá-los?
uma pergunta,
uma só pergunta
diante do estrago:
eles julgam que enxergam?


terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Semeadura


os sonhos somente são sonhos se esquecidos no sótão.
se saem, são sopros que alcançam o céu em segundos.
quase pássaros, que sobrevoam as pessoas lá de cima.
e que, solidários, lançam sementes ao solo dos mundos.
eu passo e encontro ao chão essas sementes de sonho.
sorrio, silencio, conservo esse sublime estado de graça.
se do céu recebo sementes é pra serem compartilhadas.
e saio, então, de mãos cheias a presentear quem passa.
é assim que os sonhos se esparramam e se reproduzem.
conosco, semeadores simples e de mãos sempre vazias.
os sonhos somente são sonhos se esquecidos no sótão.
se saem, são bênçãos que resultam em frutos e alegrias.



Escrito para a peça de teatro Do fio ao pavio.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Poesia à mesa


Queridos leitores,

o lançamento do livro foi um lindo encontro
no Teatro Clara Nunes, do Sesc Juiz de Fora.

Muito obrigada a todos
os que participaram e prestigiaram o evento.

O livro encontra-se à venda
na Planet Music, em Juiz de Fora, 
e no site Doce de lira.


sábado, 23 de novembro de 2013

Lançamento: doce de lira, poesia à mesa


Queridos leitores,

é com imensa alegria que anuncio o lançamento do meu livro
doce de lira, poesia à mesa.

Com 120 páginas e 78 poemas,
a obra foi prefaciada pela escritora, atriz e cantora Elisa Lucinda.

O lançamento será muito especial:
eu e vários artistas no palco do teatro Clara Nunes
para uma noite de bate-papo, poesia e música.

Aos que não puderem comparecer e se interessarem pela obra,
favor se utilizarem do e-mail:
contato@docedelira.com.br.


domingo, 10 de novembro de 2013

Salão de belezas


quase não passo Renda nas unhas,
esses dedos pálidos me parecem
excessivamente virginais.
acabo sempre por escolher entre os vermelhos,
aquele que, num semitom acima ou abaixo,
coerentemente mantenha os meus dedos
como pecados confessos.

enquanto observo a francesinha fresca
da senhora sentada na cadeira ao lado,
a manicure ainda em experiência
me conta em segredo
que está grávida
não-sabe-de-quantas-semanas
e que passa muito mal.
confidente, sou responsável pelo que escuto
e as unhas das minhas mãos
são, então, pintadas aos sussurros,
eu a explicar à moça com que especialista
ela precisaria consultar-se.

ao redor, os burburinhos abafados
pelos incontáveis secadores de cabelo,
mulheres a folhearem Caras
durante o esticar ou o descolorir de seus fios.
a cada página virada, um muxoxo:
como pode a celebridade estar em forma
um mês após o terceiro parto?
e logo alguém lhe dá um peteleco no braço:
olha só quem fala,
você, com esse corpinho, nem parece ser mãe...

durante as unhas dos pés,
descubro que a manicure grávida
já tem um filho de seis anos.
a mesma idade, talvez, da menina
que vejo autorizada pela mãe,
antes da terceira manha,
a sentar-se ao lavatório,
sobre duas almofadas,
os pezinhos suspensos,
para lavar os seus cabelos compridos
pela primeira vez em um salão.
a mãe hesitantemente define
o tonalizante na cartela de cores,
enquanto a filha se ruboriza em gracejos,
um jovem homem a ineditamente
massagear seus cabelos,
da nuca às pontas embaraçadas.

com cuidado, peço à atendente
que pegue em minha carteira
o valor para pagamento dos serviços.
e saio de mãos e pés ligeiramente recuados,
para preservar meu vermelho Nunca fui santa.



Escrito a partir do texto O salão,

domingo, 3 de novembro de 2013

Croqui


a grafite
escrevo teu nome
no canson branco
e o circulo
pra te retratar
inacessível.

o desenho
ainda incompleto
e quase manco
já pressente
ser o nosso encontro
pouco provável.

por isso não sofro:
empunho o grafite
e te sei impossível.

por isso não choro:
pra que marca d'água
em papel descartável?

verdade:
perspectiva,
se consiste na razão das distâncias,
é o contrário de saudade.



Escrito a pedido de Rizza Riizza,
autora dos três últimos versos.

Imagem: croqui de Oscar Niemeyer.

domingo, 27 de outubro de 2013

Óvni


na roça da minha infância,
em toda noite de céu estrelado,
minha avó chegava à janela,
abria os braços
e pedia num sorriso:
vem me buscar,
Ser do espaço,
mesmo que seja
pr'um breve passeio!
eu assistia àquilo
com medo,
por acreditar na minha avó
e, consequentemente, em ets.
a nave nunca veio,
pelo menos não na minha frente.
hoje,
sempre que chego à janela
e vejo as estrelas,
em segredo
abro os braços
e peço num sorriso:
vozinha, me espera...
minha nave também vai chegar.



Escrito durante a oficina A arte de tecer com o fio da memória,
ministrada por Raquel Lara Rezende na programação do Sesc Literatura,
promovido pelo Sesc Juiz de Fora.

domingo, 13 de outubro de 2013

Aureliana


em alguma estante esquecida,
plastificado desde a infância,
de folhas amareladas e nunca secas,
Aurélio ainda insiste e me convida:
a conhecer cada palavra sua
por mim mesma.



ministrada por Julio Satyro na programação do Sesc Literatura,
promovido pelo Sesc Juiz de Fora.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Pastel


precisei
cheirar o giz de cera
pra saber que ele tem cor



ministrada por Julio Satyro na programação do Sesc Literatura,
promovido pelo Sesc Juiz de Fora.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Doce de lira, poesia à mesa


Queridos leitores,

apresento-lhes, com imensa alegria, a capa do meu primeiro livro,
aprovado pela Lei Murilo Mendes edição 2012.

A arte é assinada por Fabrícia Batista.

Muito em breve, anunciarei o lançamento.
Beijo da Confeiteira!


domingo, 22 de setembro de 2013

Amor-dos-homens


ela achava prazer uma palavra
indecente.

e foi isso que me ensinou:
a indiferença dos olhos,
a amargura da boca,
a obstrução dos poros.

desobedeci:
lambi com os olhos,
explorei com a boca,
gozei com os poros.

eu acho prazer uma verdade
indecente.



Escrito a partir de uma conversa com Rizza Riizza,
autora dos dois primeiros versos.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Salve, salve


eu assisto de casa ao movimento nas ruas
e me envergonho.

por que me mantenho ao sofá
se não vivo o país com que sonho?

eu sei que há
fartura de fome,
penúria de teto,
salas de aula e quartos de hospital miseráveis.

por que me calo,
se não pelo conforto das almofadas?

sei que há
preguiça parlamentar,
soberba no veto,
avareza de terno e gravata impecáveis.

por que me calo,
se não pelas pernas descansadas?

as ruas se colorem de jovens
de doze a cem anos de idade
num coro improvisado de protesto.

a imprensa ignora ou manipula o fato,
fala das copas, dos ouros e de todo o resto.

e eu me envergonho nesse pijama listrado,
como que indiferente às dores do povo.

é tão fácil censurar o manifesto.
confesse: o que tem feito por um Brasil novo?